segunda-feira, 17 de abril de 2006

Uma geração de coragem

Decorria o ano lectivo 1968/69. Portugal vivia um período de tensão, submetido a um governo fascista, que ao longo dos anos cria um clima de tensão provocado pela Guerra Colonial, pela censura à imprensa e aos meios culturais, e a perseguição a todos aqueles que se opunham ao regime.
Neste contexto social levanta-se a voz discordante dos estudantes do Ensino Superior e Coimbra é quem ergue a bandeira, defendendo a liberdade, a autonomia e a democratização do Ensino Superior.
A repressão era bem visível no contexto Universitário: a Associação Académica de Coimbra tinha à frente dos seus destinos uma Comissão Administrativa nomeada pelo Estado. Entre 1965 e 1968 não foi permitido aos estudantes a escolha dos seus corpos gerentes.
Em 1968, por iniciativa do Conselho de Republicas (CR) e de vários Dirigentes de Organismos Autónomos, foi criada uma Comissão de Pró-Eleições: o objectivo era de promover o Acto Eleitoral, sendo apenas possível após a recolha de 2500 assinaturas num abaixo assinado que foi entregue ao Reitor da Universidade de Coimbra, Andrade Gouveia.
Após vários recuos e avanços, as eleições realizam-se no final do mês de Fevereiro. Comparecem a este acto eleitoral duas listas: a do Conselho de Repúblicas (CR) e a do Movimento de Renovação e Reforma (MRR). O Conselho de Repúblicas ganha as eleições com cerca de 75% dos votos, avançando com uma linha crítica de contestação à Universidade e a todo o Regime em geral.
Um mês mais tarde a Direcção Geral da Associação Académica de Coimbra eleita é convidada para a cerimónia de inauguração do edifício das Matemáticas da Faculdade de Ciências. A DG não só aceita o convite como afirma publicamente a intenção de intervir na cerimónia proferindo algumas palavras de descontentamento sobre a situação do ensino da Universidade de Coimbra e no resto do país. Verdadeiramente conscientes, dum dever iamos esgotar todas as vias para que os estudantes, estando presentes, pudessem participar na sessão inaugurativa. "Na manhã de dia 17 de Abril de 1969 vivia-se em frente ao Departamento de Matemática um cenário pouco característico para uma ditadura, onde as palavras de ordem eram: "Impõe-nos o diálogo de silêncio", "Intervenção das AEs na vida e reforma da Universidade", "Ensino para todos", "Estudantes no Governo da Universidade", "Exigimos Diálogo", "Democratização do Ensino".No interior do edifício, na actual Sala 17 de Abril, o presidente da DG/AAC, Alberto Martins, acompanhado por Luís Lopes, presidente do TEUC, e Luciano Vilhena Pereira, presidente do CITAC, pede a palavra a Américo Tomás, Presidente da República, que lhe responde de forma inconclusiva. A cerimónia termina abruptamente e toda a comitiva se retira protegida pelos agentes da Pide/DGS.
Nessa noite Alberto Martins é preso à porta da Associação Académica de Coimbra por volta das duas horas da madrugada.
A notícia da prisão de Alberto Martins corre rapidamente, os estudantes mobilizam-se em frente à esquadra, originando confrontos e feridos. Na manhã seguinte Alberto Martins é libertado. Durante a tarde do dia 18 há Assembleia Magna, resultando na conclusão da necessidade do aumento da participação activa dos estudantes na vida universitária.
Decreta-se o "Luto Académico" a 22 de Abril. O período do "Luto Académico" e da "Greve às Aulas" caracterizou-se pelo debate em torno dos problemas das faculdades, da Universidade e do país. As iniciativas de contestação ao regime, também se repercutiram nas actividades culturais e desportivas, ao ponto da Queima das Fitas de 1969 ter sido cancelada:"O Conselho de Veteranos decretou o luto, com capa e batina fechada e proibição do uso de insígnias, e a Reunião Geral de Grelados deliberou o cancelamento da Queima das Fitas".
Mais tarde e após a Assembleia Magna do dia 28 Maio, nos jardins da AAC, com a participação de cerca de 6000 estudantes, iniciam-se novas formas de luta: ao a "Greve aos Exames" (com uma adesão de 85%), a "Operação Balão" e a "Operação Flor".O 17 de Abril de 69 foi o início de um processo de contestação estudantil em que "o objectivo era pôr em causa a Universidade para pôr em causa a sociedade", que viria a terminar com a "Revolução dos Cravos" cinco anos mais tarde no 25 de Abril de 1974, na medida em que conseguiu bloquear a acção do Governo e consciencializar social e politicamente os homens que fizeram o amanhã.
Para o presidente da DG/AAC de 1969, Alberto Martins, "o 17 de Abril de 1969, o dia em que pedi a palavra mudou a minha vida e a de todos". No entanto, o antigo dirigente associativo, afirma que a crise académica "foi um movimento de massas que teve como actores colectivos os estudantes". Alberto Martins acrescentou ainda, que Coimbra "foi naquele período uma ilha de liberdade que viria a culminar 5 anos mais tarde no 25 de Abril de 1974, a revolução dos cravos".

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